É possível registrar uma Escritura Pública de Rerratificação desacompanhada do Instrumento Original rerratificado?   

Compartilhe:

Não, não é possível. Isso ocorre porque a Escritura Pública de Rerratificação é acessória ao Instrumento principal que lhe deu origem, não instrumentaliza um ato ou negócio jurídico próprio e não consta, de forma autônoma, no rol taxativo do Art. 167, I, Lei 6.015/73, como título passível de registro. Vejamos.

A Escritura Pública é um documento público redigido por um tabelião de notas que formaliza juridicamente a vontade das partes, como declarada ao tabelião, e que se destina a dar forma legal a declarações de vontade que caracterizam um ato ou negócio jurídico. Em outras palavras, a Escritura Pública é o ato notarial pelo qual o notário recebe a vontade manifestada pelas partes e endereçada a ele, tabelião, para que instrumentalize o ato ou negócio jurídico adequado.

A Escritura Pública é regida pelo princípio da unicidade formal do ato, ou seja, o ato notarial deve ter uma unidade de contexto, de tempo e de lugar. Assim, os interessados manifestam a sua vontade, o tabelião qualifica juridicamente essa vontade e, em sendo a qualificação positiva, ou seja, em estando a manifestação de vontade em consonância com o ordenamento jurídico, o tabelião lavra o instrumento público que permanecerá, de forma perpétua, arquivado no acervo notarial público.

Entretanto, às vezes, a Escritura Pública pode ser construída pelo tabelião com erro, seja ele material/evidente ou de especialidade/substancial, exigindo, do tabelião, a sua correção ou retificação.

Retificar significa corrigir, alterar, emendar, purificar algo já existente.

O erro material ou evidente é aquele que não prejudica o ato praticado em seus elementos essenciais, nem altera a declaração de vontade das partes, e pode ser facilmente constatado documentalmente. O erro material deve ser retificado independentemente de autorização judicial, com fundamento no princípio da autotutela do ato administrativo, e consertado de ofício pelo próprio tabelião, mediante ata retificativa ou aditiva lavrada no livro de notas e subscrita apenas por ele (tabelião), sem necessidade da presença das partes, a respeito da qual fará remissão no ato retificado.

O erro de especialidade ou substancial é aquele que altera a substância do ato e deve ser retificado por intermédio de outra escritura (rerratificação). Assim, para ser consertado, o erro substancial demanda a presença das mesmas partes, com nova manifestação de vontade que irá alterar ou aditar a vontade manifestada anteriormente. Após, deve-se, também, fazer a remissão da correção no ato principal corrigido. Se de outra serventia, o tabelião deve efetuar a comunicação para o tabelião que lavrou o ato anterior para a anotação devida.

Assim, a correção de um instrumento público ou particular finalizado com erro substancial apenas pode ser efetuada por outro instrumento público ou particular, destinado a retificar ou a aditar o instrumento anterior encerrado com erro existente e confirmar os seus demais termos que não foram objeto de retificação/aditamento.

O instrumento público utilizado para referida correção denomina-se, tecnicamente, de Escritura de Rerratificação que, nas palavras de Leonardo Brandelli “é o ato notarial hábil a retificar outro ato notarial protocolar, no qual tenha havido erro que não possa ser corrigido pela forma de correção antes vista (ofício), ou em que haja modificação da vontade das partes após encerrado o ato notarial”. (BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial, 2ª Ed., Saraiva, São Paulo, 2007, p. 243).

Diante disso, a Escritura de Retificação deverá ser assinada novamente pelas mesmas partes presentes do instrumento anterior, para suprir ou corrigir elemento substancial indispensável à eficácia plena do ATO ANTERIOR. Por esse motivo, é importante lembrar, a Escritura de Retificação nada mais é do que a instrumentalização de um ato jurídico subjacente, e, neste tocante, a melhor doutrina civilista não impõe limites aos elementos retificáveis, desde que a vontade das partes seja efetivamente de retificação (corrigir), e não de novação, de alienação, etc., o que deve ser analisado pelo tabelião.

Vale consignar que o contrato que já esteja extinto pelo cumprimento (compra e venda registrada e paga, por exemplo) não pode ser mais retificado, pois o contrato já surtiu seus efeitos e já se extinguiu pelo cumprimento. Haverá, nesse caso, a necessidade da celebração de um novo negócio jurídico. Portanto, pode-se afirmar que enquanto não registrado o instrumento principal ainda será admitido a sua correção ou emenda, visto que o termo final para que isso não mais possa ocorrer será o registro do título translativo no folio real daquele imóvel envolvido no então negócio jurídico.

A retificação não é, portanto, forma de aquisição de bem, direito ou obrigação. Em outras palavras, a Escritura Pública de Rerratificação não pode ser registrada em Registro Público porque ela, sozinha, não tem vida própria, não é título aquisitivo, modificativo ou extintivo de direito e não consta do rol taxativo dos títulos registráveis previstos no Art. 167, I, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73). Trata-se, apenas, de um instrumento acessório ao principal, este sim (instrumento original/principal) passível de ingresso no fólio real acompanhado daquele (instrumento acessório ao principal).

Sobre o tema, ensina Narciso Orlandi Neto que: “Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem as mesmas pessoas que estiveram presentes no ato da celebração do negócio instrumentalizado. É que a escritura nada mais é que o documento, o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova pré-constituída da manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei. Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras, uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o comparecimento das mesmas partes que, na primeira, manifestaram sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado” (ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, São Paulo, 1999, pág. 90).

O negócio jurídico, quanto a sua independência ou autonomia, é classificado em negócios jurídicos principais ou independentes e em acessórios ou dependentes. Aqueles são os negócios que têm vida própria e não dependem de qualquer outro negócio jurídico para terem existência e validade e estes são os negócios jurídicos cuja existência está subordinada a outro negócio jurídico, denominado principal.

A Escritura Pública de Rerratificação é classificada ou possui natureza de acessória ou dependente, ou seja, NÃO possui existência própria, estando sempre subordinada ao instrumento público ou particular principal retificado.

Admitir registrar Escritura de Rerratificação sozinha, ou seja, sem acompanhar/assessorar o instrumento principal anterior, infringe o princípio da continuidade registral, tendo em vista que a retificação surtirá efeitos ex tunc, pois retroagirá à data de lavratura do instrumento principal retificado e não apresentado, concomitantemente, ao registro público.